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Pedro Almodóvar: “Espero que o Brasil me perdoe”

Diretor fala sobre o novo filme, “A Pele Que Habito”, e comenta o cirurgião inescrupuloso de vivido por Antonio Banderas

Por Bruno Machado
Atualizado em 5 dez 2016, 17h41 - Publicado em 24 out 2011, 21h26

“A Pele Que Habito”, filme mais recente do espanhol Pedro Almodóvar, chega aos cinemas brasileiros no próximo dia 4. Para os fãs mais ansiosos do cineasta, é possível assistir à pré-estreia do filme hoje (25), em oito salas da cidade.

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Antonio Banderas, com quem Almodóvar não trabalhava havia mais de duas décadas, interpreta um misto de cirurgião plástico de caráter duvidoso e cientista maluco. O personagem tem ascendência brasileira e pesquisa a criação de um tipo de pele artificial que pretende usar para um objetivo nada ortodoxo. Seu invento desencadeia uma série de eventos trágicos e misteriosos. Sobram referências, de “Frankenstein”, de Mary Shelley, à filmografia de Alfred Hitchcock.

O vencedor do Oscar de melhor diretor em 2002 por “Fale Com Ela” falou a VEJA SÃO PAULO. 

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VEJA SÃO PAULO – Na première de “A Pele Que Habito”, em Cannes, o senhor afirmou que Ledgard, papel de Antonio Banderas, foi inspirado no cirurgião brasileiro Ivo Pitanguy. Como você conheceu o trabalho dele?

Pedro Almodóvar – Na verdade, o personagem não foi inspirado em nenhum cirurgião real. Tomei como referências o que conheço sobre ciência, cirurgia plástica e transgênicos. Ledgard é apenas um arquétipo, em que há ressonâncias de Frankenstein e Prometeu. Conheci Ivo Pitanguy pessoalmente em Berlim, em 1986 ou 1987. Ele estava em um congresso e nos encontramos, por acaso, em um restaurante. Chamaram-me a atenção os seus olhos, de uma agudeza que davam medo. É tudo que sei sobre ele.

VEJA SÃO PAULO – No filme, o personagem de Banderas tem raízes brasileiras. Por que o senhor escolheu situar o passado de Ledgard no Brasil?

Pedro Almodóvar – Eu não queria que a família de Ledgard fosse espanhola e que ele tivesse recebido uma educação cristã. Não queria que ele tivesse sido criado numa lógica de culpa e castigo. Logo, eu o inseri numa família brasileira. Trata-se de um clã muito feroz, de raízes possivelmente africanas. Por isso pensei no Brasil. A escolha do país também me foi conveniente, pois, até onde sei, a cirurgia plástica se popularizou muito mais no Brasil do que na Espanha. Espero que o público brasileiro, que adoro, possa me perdoar pela maneira como retratei essa família e não a tome de um modo literal. Essa família faz parte de uma ficção e é uma ficção em si mesma.

VEJA SÃO PAULO – Seu novo filme foi considerado um thriller de ficção científica, algo que o senhor nunca havia feito antes. Concorda com essa classificação?

Pedro Almodóvar – A essa altura, concordo com todo e qualquer tipo de classificação, até mesmo se disserem que meu filme é uma comédia musical. Todo espectador tem o direito de classificá-la como quiser. Sou uma pessoa muito eclética e sempre estou mesclando gêneros. Eles se misturam em meus filmes de uma maneira orgânica, quase biológica. Há um predomínio de melodrama, mas com sequências de horror e ficção científica.

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VEJA SÃO PAULO – Qual é a mensagem do filme?

Pedro Almodóvar – É simples e complexa. O filme fala de preservar a identidade em contraposição aos abusos de poder dos avanços da ciência e da cirurgia plástica. Quero crer que a identidade das pessoas é inacessível aos avanços da ciência e suas manipulações no corpo humano.

VEJA SÃO PAULO – Segundo os críticos, seu novo filme foi inspirado em cineastas como Alfred Hitchcock, Georges Franju e Luis Buñuel. Quais elementos do filme foram inspirados nesses diretores?

Pedro Almodóvar – A princípio, pensei em fazer uma homenagem ao expressionismo de Fritz Lang, com uma fotografia contrastada e sombria. No fim, decidi que a história fosse sombria por si só. A única referência explícita é o filme “Os Olhos Sem Rosto”, de Georges Franju. Não pensei em nenhum diretor enquanto escrevia o roteiro ou rodava o longa. Durante as filmagens, o diretor de fotografia José Luis Alcaine, que sempre trabalha comigo, lembrou-me da minha paixão por Hitchcock e se inspirou em sua obra para iluminar as cenas.

VEJA SÃO PAULO – Em recente entrevista, Antonio Banderas afirmou que trabalhar com o senhor é “um ato de fé”. Já um crítico disse que Banderas é para Almodóvar o que Cary Grant foi para Hitchcock. O que você acha disso?

Pedro Almodóvar – De fato, Antonio é meu Cary Grant. Ele é o ator que melhor soube transmitir o desejo, a paixão e a loucura de meus personagens masculinos dos anos 80. É um amigo com quem eu me divertia muitíssimo nas intermináveis noites daquela época. Agora, nossas noites são mais curtas, levamos uma vida muito tranquila, mas a cumplicidade e o humor seguem os mesmos. Para Ledgard, eu queria um ator atraente, mas muito discreto. Pedi para que ele tirasse toda e qualquer emoção de seu rosto. Na filmagem, não sentimos o peso do tempo: parecia que havia alguns meses que não trabalhávamos juntos, quando na verdade já haviam se passado 21 anos.

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