Domésticas passam a apitar as regras do jogo
Foi-se o tempo em que elas tinham de disputar vagas de trabalho. Hoje, são as patroas que encaram filas de espera
Existem em São Paulo 632.000 trabalhadores domésticos, quase todos são mulheres. Há empregadas, faxineiras, diaristas, babás, cuidadoras de idosos, cozinheiras, lavadeiras, passadeiras e arrumadeiras. São profissionais que, segundo as estatísticas demográficas e a percepção geral das patroas, estão em falta. No filme “Domésticas”, dirigido por Fernando Meirelles em 2001, uma das personagens diz: “Não sou doméstica, estou doméstica, mas é por pouco tempo”. Elas bem que avisaram. Na capital, está cada vez mais difícil contratar uma empregada. Mais caro também.
De acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE, a participação dessas mulheres no mercado de trabalho diminuiu 14% entre 2006 e 2010 na região metropolitana de São Paulo. No mesmo período, o salário subiu 21%. O relatório mostra que nenhum outro grupo teve aumento de rendimento tão expressivo. Ainda assim, elas estão entre os profissionais com os piores salários da cidade.
Isso ajuda a explicar por que muitas têm trocado de ocupação. Segundo o sociólogo José Pastore, pesquisador de relações trabalhistas e professor do curso de economia da USP, o principal motivo dessa mudança é o aquecimento do mercado de trabalho, que ampliou o número de vagas em outras áreas. “Agora essas trabalhadoras têm a oportunidade de ser registradas, folgar nos fins de semana e contar com proteções sociais.”
O bom momento econômico também produz mais patrões. “A classe C, que antes era empregada, agora quer contratar.” As profissionais mais jovens são as primeiras a abandonar as vassouras, fraldas e afins. “Nossa hipótese é que, com o acesso à educação, elas busquem funções mais valorizadas”, afirma o pesquisador do IBGE Cimar Azeredo. Há também a questão da autoestima. “Muitas acham que a carreira de doméstica não é digna. Já vi uma babá virar estoquista de loja para ganhar metade do salário”, diz Priscila Farisco Rocha Leite, sócia de uma agência de empregos.
Com a escassez desse tipo de mão de obra, o relacionamento entre patroas e empregadas, eivado de complicações, está mais delicado. As empregadoras se dizem pressionadas a ceder na lista cada vez maior de reivindicações. As domésticas, por sua vez, têm plena consciência do seu valor atual, com a lei da oferta e da demanda a seu favor. “Estamos nos aproximando da realidade americana e europeia, em que a maioria dos moradores cuida de suas casas. Ter doméstica é um luxo de poucos”, completa Priscila.