Em 39 anos à frente do Sesc-SP, Danilo Miranda construiu um ideal da arte e cultura
Morto no último dia 29, o diretor regional do SESC deixa como legado mais do que apenas centros culturais e de lazer
Das centenas de homenagens postadas nas redes sociais após a morte de Danilo Santos de Miranda, na noite de domingo (29), talvez a que melhor sintetize o pensamento dos paulistanos seja a da atriz Denise Fraga: “No Sesc, [ele] fez a transformação que queria ver no mundo. Quando você entra em qualquer Sesc em São Paulo, pensa: que país é esse? Eu quero viver nesse país”, ela publicou no Instagram, onde engrossava um coro de personalidades como Fernanda Montenegro, Caetano Veloso e o presidente Lula. A intérprete acertou no alvo. Em 39 anos à frente do Sesc-SP, Danilo espalhou pela capital e pelo interior dezenas de “ilhas de primeiro mundo” voltadas à cultura e ao lazer — belas na arquitetura, democráticas no acesso, arrojadas na programação. “Entregou à população o mais civilizado e competente serviço que todas as pessoas brasileiras merecem”, resumiu Tom Zé.
Dessa forma, Danilo provocava em cada visitante a pergunta incontornável: e se os equipamentos públicos de saúde, educação e transporte funcionassem com tal excelência? Bem, eu quero viver nesse país. Caso raro de personalidade reverenciada ainda que atuasse nos bastidores das artes, Danilo deixa o Sesc-SP em meio a uma nova expansão da rede. Quando assumiu a direção, em 1984, eram vinte unidades no estado. São 42 agora.
Sob a batuta do diretor, a capital ganhou sedes icônicas como a do Belenzinho, a da Rua 24 de Maio e a da Paulista. As duas mais novas abriram em outubro, na Casa Verde e na Bela Vista (o Sesc 14 Bis). Outras seis serão inauguradas na capital até 2029, duas delas no Centro — o Sesc Dom Pedro II e o TBC. Além disso, o antigo prédio do Mappin, em frente ao Theatro Municipal, vai virar a sede administrativa da instituição. “Ouvi que há excesso de atenção do Sesc ao Centro. E daí? O Centro justifica qualquer coisa que se fizer por ele”, disse, na última entrevista à Vejinha, em junho — o plano contempla também áreas como as zonas Leste (São Miguel, previsto para 2028) e Sul (Campo Limpo, 2027).
Em paralelo, Danilo multiplicava o orçamento do Sesc. Em 2022, a cifra chegou a 2,4 bilhões de reais, o dobro da verba da Secretaria Estadual de Cultura no mesmo ano. Teve de defender os recursos contra assanhamentos da direita e da esquerda — no segundo governo Lula, o então ministro da Educação Fernando Haddad quis “repactuar” o dinheiro do Sistema S, que mantém o Sesc (um nome pomposo para morder um naco das verbas); no governo de Bolsonaro, o ministro da economia Paulo Guedes avançou sobre o mesmo cofre, sem sucesso; e, mais recentemente, Danilo trocou farpas com Marcelo Freixo, presidente da Embratur, que tentava capturar parte das receitas para o turismo.
“Ele sempre foi diplomático e paciente para explicar aos políticos a importância do Sesc”, conta Cleo Regina, 74, viúva de Danilo. Fez a última reunião no dia 22 de setembro, com a equipe de superintendentes. Pediu que tocassem os projetos, enquanto ele tiraria uma licença médica. Em 1º de outubro, foi internado no hospital Albert Einstein por complicações do diabetes. “Após contrair Covid, ele sentia um cansaço frequente”, diz a filha Camila, 47.
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Em 29 dias de internação, teve quase exclusivamente a companhia da família, que lia poemas de Carlos Drummond de Andrade e colocava músicas de John Coltrane, Billie Holiday e Debussy para distraí-lo. Não resistiu a uma infecção bacteriana, que atingiu o coração. Tinha 80 anos. Deixou a esposa, as filhas Camila e Talita (49) e quatro netos. O conselheiro Luiz Galina, 79, assume interinamente a direção — mas, sem um sucessor natural em vista, a equipe vive dúvidas sobre quem herda a chefia.
Em um último ato por um Sesc acolhedor, foi velado com portas abertas, na unidade da Pompeia. “De tudo o que fez, o mais importante foi tornar os Sescs abertos, acessíveis, democráticos”, afirma Camila. “Se isso se perder, perde-se o legado do papai.”