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Sinfonia inacabada

Confira a crônica da semana

Por Mário Viana
Atualizado em 14 fev 2020, 16h00 - Publicado em 20 jul 2018, 06h00
 (Attílio/Veja SP)
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O francês Ernest Mercadier, no fim do século XIX, e o americano Nathaniel Baldwin, no comecinho do século XX, empenharam tempo, pesquisa, dinheiro e esforços para inventar os primeiros fones de ouvido de que se tem notícia. Criados para ajudar telefonistas e telegrafistas de guerra, eles ganharam popularidade no fim dos anos 1970, quando surgiram acoplados a aparelhinhos sonoros, que reproduziam fitas cassete — alguém aí se lembra do walkman?

Há mais de 100 anos o homem tenta descobrir um jeito de escutar coisas sem chamar a atenção de quem está à volta. Tudo em vão: atualmente, o esporte nacional por excelência é ouvir em altíssimo volume qualquer coisa que possa sair de um celular — música de letras picantes, programa de TV, pregação religiosa e conversas com o chefe ou com a namorada. Para essas pessoas, fones de ouvido não fazem a menor falta.

Chamados em português contemporâneo de headphones, os fones de ouvido estão perdendo função e teme-se que em breve as boas casas do ramo vendam celulares já sem o apetrecho. Ninguém quer andar com aquelas coisinhas enfiadas nas orelhas, mesmo na versão sem fio.

A vontade de se distrair continua alta. Dane-se quem estiver do lado. O sujeito pega o ônibus no Terminal Guarapiranga e já aciona o alto-falante. Até chegar à Praça da Bandeira, 21 quilômetros depois, terá repassado todos os funks e sertanejos gravados nos últimos cinco anos. Raramente pinta um sambinha. Clássico da MPB, nunquinha da silva.

Esses celulares exibem uma energia infinita. Se derem sinal de fraqueza, os novos coletivos vêm com dispositivo para recarregar as baterias. A festa está garantida até o ponto final, a não ser que algum espírito de porco tenha enfiado chiclete mascado no vão dos carregadores.

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A ciência deveria pesquisar por que essas trilhas sonoras nunca incluem Bach, Mozart ou Tom Jobim. Qualquer coisa que lembre sutileza é banida com fúria extremista. A ordem é tocar o terror.

O curioso é que a barulheira parece não incomodar. As pessoas já teriam se habituado? É provável. Ou estão conformadas? É melhor escutar aquela bagunça do que ser surdo. Só isso explica a barafunda sonora que também virou a Paulista aos domingos. Passear à tarde, da Avenida Brigadeiro Luís Antônio à Rua Augusta, tornou-se um desafio até aos ouvidos menos sensíveis.

Fico sempre de olho nos cãezinhos que levam os donos para tomar sol. Imagino uma rebelião canina contra o fuzuê musical, que certamente incomoda seus tímpanos já magoados com os fogos de artifício das comemorações públicas.

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Não é apenas o volume, altíssimo. A mistura de sons assusta. O rapaz plus size que imita Renato Russo canta ao lado de uma banda de forró, as bailarinas clássicas piruetam em frente a um grupo de heavy metal, enquanto o tiozinho executa — com requintes de serial killer — os grandes sucessos da MPB em seu violão.

A prefeitura, que já resolveu todos os problemas da cidade, está preocupada com isso. Seus fiscais deveriam se informar com as mocinhas que ensinam técnicas de meditação em meio a furiosos solos de bateria. Só elas têm a resposta.

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