A vida em sociedade só se mantém porque criamos certos códigos e tentamos nos adaptar a eles, para o bem e para o mal. ignorar solenemente o vizinho que entra no elevador e diz bom-dia parece uma dessas regras. na mesma cartilha consta o não agradecer a quem voluntariamente segura a porta para você passar. até a rainha Elizabeth deve murmurar um thank you, dear, mas muita gente ainda se acha acima dessas formalidades.
No dia a dia, esbarramos em convenções não escritas e ficamos sem saber direito o que fazer. São perguntas que pairam eternamente sem resposta. Porteiros de prédio, por exemplo. alguém sabe explicar por que mesmo o mais atento dos funcionários da portaria fica sem reflexo em dia de chuva?
Faça o teste. Começou a chover, o rapaz esquece de abrir o portão. Sempre acho que ele fica curtindo a imagem do morador tomando chuva na calçada. Se o infeliz estiver sem guarda-chuva, então, a vingança é mais gostosa.
Outra categoria cheia de particularidades é a de garçom. não sei se eles aprendem na escola ou se o sindicato baixou norma, mas tente chamar a atenção de um garçom. Ele olhará para todos os cantos do restaurante, menos na sua direção. O aceno começa discreto, elegante e evolui até você parecer o regente de uma orquestra sinfônica. E o seu alvo, nem aí.
Vocativos genéricos também ajudam pouco. Moço, rapaz, amigo, querido, fofo, gostosura — desista. Garçom-padrão fecha os ouvidos a qualquer desses chamados. Uma maneira de tentar driblar esse tormento é decorar o nome do sujeito. Vale a pena dar uma olhada no crachazinho que eles costumam usar. Em lugares moderninhos, que não identificam seus funcionários, eu pergunto logo qual o nome do atendente.
Em algumas casas, o funcionário encarregado de servir a mesa reduz tudo a bebida. Você mal deu um gole no copo de cerveja e ele já o completa. acontece o mesmo com vinho, a não ser que você coloque a mão sobre a taça e olhe feio. Trata-se de um dos métodos preferidos para fazer o cliente consumir mais. Com grupos de amigos, fica fácil aplicar o truque. Sempre tem algum mais animado aceitando outra garrafa. Mas pega muito mal quando há apenas um casal em um jantar romântico.
Outro comportamento que sempre me intriga é o dos músicos em cena. a coisa está indo superbem, a plateia animada, os músicos afiados — até que o guitarrista dá uma olhada sorrateira para o baixista ou para o cara da bateria e ambos sorriem à la Mona Lisa. Dá vontade de interromper o show e perguntar: estão rindo do quê? a plateia cometeu alguma gafe? Vocês erraram uma nota que nós, os meros admiradores, não percebemos? Sempre tem esse momento em show, o do risinho irônico.
Bons atores, quando erram em cena, fazem do engano um improviso e acabam até aplaudidos. Mas e os coitados dos bailarinos? Você consegue se ver exercendo um trabalho que, por melhor que seja, não pode ser comentado na hora? “Que plié, amiga, amei!” Também não tem espaço para as pequenas maledicências que só fazem sentido no calor do momento. “não falei que ela engordou? a malha está explodindo, olha lá.”