Toda cidade pequena tinha o seu louco de estimação. Era o Zuca, a Zezé ou o Tonho — louco nunca tinha nome de verdade. Circulava pelas ruas arrastando cacarecos, pedindo coisas a quem passava e sempre sendo sacaneado pela molecada. Alguns disparavam palavrões, e ninguém se ofendia.
O louco da cidade tinha endereço conhecido, a família já vivia por ali fazia muito tempo; em geral, de maneira muito simples. Eram pobres. Os parentes do louco local nunca eram ricos.
São Paulo está longe de ser uma cidade pequena. Há condomínios aqui em que o número de moradores ultrapassa bastante a população de alguns municípios do Brasil. É inevitável que a quantidade de loucos se multiplique ao infinito. Pelo que se nota andando pelas ruas, a presença de pessoas com problemas mentais — os maluquinhos mesmo — aumentou de maneira impressionante.
Isso tudo, contou-me a amiga Ruth Helena, tem a ver com o fechamento de várias clínicas onde esses doentes antigamente viviam internados. Li que há correntes que defendem a volta dos manicômios como solução. Tema polêmico. Outra amiga da área da saúde pública disse que, do jeito que estavam, essas clínicas não passavam de depósitos de doentes. Uma espécie de abandono intramuros.
É uma sinuca de bico. Soltar por soltar não resolve nada. Prender por prender, muito menos. Existem postos públicos de saúde mental onde os doentes passam o dia, entre conversas, atividades lúdicas e interações sociais. Mas esses locais não dão conta de tanta demanda. Para a maioria dos loucos, viver fora da casinha é um castigo, e não uma gíria.
Se antigamente o louco de estimação era até divertido, os de hoje são figuras solitárias, que não têm sequer a malícia de batalhar um cantinho protegido para dormir. Pernoitam ao relento, quase no asfalto. Não há a menor graça em ver gente doente abandonada.
Cada vez mais parecidos com os drogados que vagam por todo canto, os maluquinhos não têm crianças no encalço — nem adultos. Vivem soltos, monologando nas calçadas, fazendo com que as outras pessoas se desviem deles, temerosas de algum ataque de fúria.
Na Avenida Paulista, circulam duas mendigas drag queens, vestidas como bonecas de pano esquecidas no fundo do baú. Abordam as moças — evitam os homens, talvez por medo — e lhes pedem dinheiro. Se não são atendidas, passam a seguir as mocinhas aos gritos. É vexame garantido.
Também causam medo os que andam carregando pedaços de pau, lâmpadas e outros objetos. O que podem fazer em momentos de fúria? Até nessa hora funciona o velho preconceito econômico.
Temos medo quando eles têm aspecto miserável e relaxamos a guarda quando aparecem bem-vestidos, às vezes até de terno. Foi um desses que atacou um estudante com um taco de beisebol numa livraria da Paulista há alguns anos.
Quem anda com fones de ouvido pode nem perceber o desfile de gente falando sozinha ao seu lado. Nem todos são loucos. Algunsapenas conversam pelo celular, o fio discreto pendurado na orelha. Os doentes falam com mais veemência. Quem se liga no papo diz que não é tão sem noção assim. Falam de Deus, de política e do pouso próximo de uma nave alienígena, com mais sentido do que certas conversas telefônicas.