Adeus
Confira a última crônica de Ivan Angelo para VEJA SÃO PAULO, após dezenove anos de colaboração
Faz dezenove anos que Carlos Maranhão, então editor executivo de VEJA SÃO PAULO, e Caco de Paula, editor, me chamaram para uma conversa em um restaurante na Praça dos Omaguás, em Pinheiros. Era abril de 1999, havia pouco falecera o escritor Marcos Rey, mestre da crônica que se revezava com Walcyr Carrasco nesta última página da Vejinha. Sem darem muitas voltas, convidaram-me para substituir o Marcos, “para já”. Olha o peso da responsabilidade. Eu, também escritor, mineiro extramuros, então com 34 anos de São Paulo, mais do que os anos que tinha vivido em Minas, jornalista da chefia do Jornal da Tarde nos seus anos dourados, com longa experiência na crônica literária, mensal, semanal e diária, também não dei muitas voltas para dizer sim.
A estreia foi na edição de 5 de maio daquele ano, e eu pedia “mil perdões” aos leitores por não ser paulistano. Falava da minha chegada, do primeiro olhar para a cidade, dos começos de um namoro com ela, e terminava assim: “Aproveitei as chances que a cidade me deu. Tantos anos depois, ela me oferece mais uma, esta página, para falarmos do nosso caso, meu e dela, contar histórias que vivemos juntos. Vamos lá”.
Daquele maio até hoje foram 499 crônicas. Histórias, emoções, comoções e percepções que se abrigaram depois em dois livros: Melhores Crônicas de Ivan Angelo, da Global Editora, e Certos Homens, da Arquipélago. Umas mais apreciadas pelos leitores, outras menos; umas mais amadas — carinho manifesto em mensagens com intenção perfumada —, outras apenas queridinhas. Se houve algum desprezo ou pouco-caso, tiveram a delicadeza de não mandar recado.
Leitores de crônicas são especiais, convivemos nos mesmos espaços, entre as esquinas de que gostamos e os pratos que degustamos. Não raro saltam leitores e leitoras das barreiras invisíveis para nos fazer gentilezas. Um, para oferecer jabuticabas no pé, quando o cronista lamentou o sumiço das jabuticabeiras dos quintais da cidade. Uma, a fim de entregar um mimo à filhinha do cronista, tendo ele acabado de cantar em crônica a chegada da pequena maravilha. Vários, para compartilhar emoções, espelhar-se. Outros, muitos, para oferecer um calorzinho: “Ah, ele é você? É a primeira coisa que leio na revista!”.
Eles falam de bons momentos que passamos juntos nesta página. Da moça pelada da Playboy frequentando a piscina do condomínio onde moro e do rebuliço em torno dela. Do motoboy que chorava alto e dava socos na parede esperando o elevador, após me entregar a encomenda. Da calopsita que pousava todas as tardes no parapeito da minha varanda fazendo-me companhia ao apreciar o espetáculo do pôr do sol, e depois ia embora. De ouvir um galo cantar e não saber onde, na madrugada de Perdizes. Da mulher que esqueceu o marido incapaz na agência bancária. Do surpreendente sucesso de uma crônica sobre canivetes, objeto que todos julgamos superado. Da constatação de que não é o tempo inteiro que você ama quem você ama. Do recado perturbador de uma mulher encontrado entre as páginas de um livro comprado no sebo. Do sem-teto asseado e bem-educado que veio se instalar no quadrado em frente a uma casa ao lado do prédio onde moro, em Perdizes, e fazia questão de ser bom vizinho, um de nós, homem de bons-dias e boas-noites. Das muitas, dezenas de crônicas sobre o amor, assunto preferido das mulheres.
Esta é minha última crônica neste espaço. Foi muito bom estar com vocês nesses dezenove anos. Um abraço.
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