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Chuva de problemas: início de ano mais chuvoso que a média deixa estragos

A cidade sofre com alagamentos, panes em semáforos e quedas de energia — e as soluções parecem distantes no horizonte

Por Clayton Freitas
11 fev 2022, 06h00
Imagem mostra córrego ao lado de rua de terra, esburacada e repleta de poças.
O entorno do córrego do Lajeado, na Zona Leste: sem prazo para solução. (Euclides Mendes/Arquivo Pessoal/Divulgação)
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Sempre que nuvens escuras encobrem o céu da Zona Leste, o autônomo José Luiz Patrocínio, 58, fica apreensivo. Morador do Itaim Paulista há 54 anos, ele sabe que o Córrego do Lajeado pode subir rapidamente e, mais uma vez, alagar a casa. “Somos mais de cinquenta famílias (no entorno) e vários imóveis já estão condenados pelas enchentes”, ele conta.

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O problema acabou agravado, acredite, pela construção de um muro que deveria servir justamente para controlar o córrego. Os responsáveis pela obra, porém, ergueram a barreira somente em uma das margens — para azar de Patrocínio, a oposta à dele (nas fotos).

Imagem mostra rua passando sobre córrego, que passa entre diversas casas.
O Córrego Itaim. (Euclides Mendes/Arquivo pessoal/Divulgação)

“Além da água, temos também baratas, ratos, mosquitos…”, ele afirma. Não se trata de “caso isolado” sequer na própria vizinhança: ao menos outros dois córregos, o Tijuco Preto e o Itaim, costumam transbordar no bairro.

O Departamento de Águas e Energia Elétrica, ligado ao governo estadual, afirma que realizou investimentos para evitar situações que classifica como “graves” na região, uma área de várzea do Rio Tietê. O órgão tem projetos para solucionar as cheias dos córregos, mas não existe prazo para que sejam executados.

A prefeitura, por sua vez, não gastou todo o dinheiro reservado ao combate de enchentes e à prevenção de alagamentos em 2021, segundo levantamento da Rede Nossa São Paulo feito a pedido da Vejinha. Foram usados 767,9 milhões de reais, de um total de 910 milhões — ou seja, 15% não saiu do papel.

Imagem mostra rua completamente alagada. Um carro pode ser visto ao fundo, do outro lado do corpo d'água que tomou conta do asfalto.
A rua alagada. (Euclides Mendes/Arquivo pessoal/Divulgação)
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Neste ano, a previsão orçamentária subiu 15%, o que é uma boa notícia. A ruim é que esse aumento se restringirá a um conjunto específico de ações — basicamente serviços de drenagem (veja o quadro abaixo). “O planejamento municipal deveria levar em conta outras questões igualmente relevantes”, avalia Paloma Lima, assistente de projetos da Rede Nossa São Paulo.

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A Secretaria de Finanças afirma que, inicialmente, o orçamento previa investimentos de 764,4 milhões de reais. “A liquidação é apenas uma foto parcial do que foi efetivamente destinado”, informa. A pasta contesta o avanço de 15% em 2022. Diz que, na verdade, a diferença é de 43% se tomado como base “o valor original inscrito”.

Duas tabelas, uma de 2021 e outra de 2022, que mostram o orçamento/investimento e quanto foi liquidado em cada ação de prevenção dos estragos das chuvas.
Gastos para evitar problemas. (Execução Orçamentária da Prefeitura de São Paulo/Veja SP)

A respeito da diferença observada pela Rede Nossa São Paulo, que aponta redução em algumas ações, a pasta justifica que os valores foram apenas “aglutinados” no item drenagem, o que teria sido feito para evitar risco de descontinuidade das ações.

O extravasamento de córregos, claro, não é o único problema crônico causado pelas chuvas. A lista inclui as panes em semáforos, as quedas de energia elétrica e os alagamentos de vias públicas — e tem sido um verão especialmente chuvoso na capital paulista.

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Tabela mostra as 10 vias com mais ocorrências de alagamentos na cidade.
*Inclui todas as denominações da via (Crédito/Veja SP)

Dados do CGE-SP (Centro de Gerenciamento de Emergências) mostram que em janeiro choveu 15% acima da média, maior volume dos últimos cinco anos. Uma consequência disso é a alta de 6% nos pontos de alaga – mento, na comparação com o mesmo mês do ano passado.

Uma tabulação feita pela reportagem revela que 10% das ocorrências (ou dezoito alagamentos) aconteceram na Radial Leste, a campeã desse tipo de problema (tabela acima). “Nossa loja foi invadida pela água duas vezes. A inundação chegou a 1 metro de altura e inutilizou peças que seriam vendidas”, diz  Dantas, gerente da Radial 13, comércio de acessórios para motos localizado na avenida.

Imagem mostra homem de boné azul e roupa cinza com as mãos abertas, segurando produtos. Ao fundo, parede com diversos capacetes de moto à venda.
Vinícius, gerente de loja na Radial Leste: prejuízos. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

“Ficamos no prejuízo”, ele reclama. A prefeitura informa que limpou cerca de trinta poços por dia na região próxima à estação Belém. “Realizamos serviços de limpeza de boca de lobo em todos os subdistritos da área”, afirma nota da Subprefeitura da Mooca.

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O meteorologista Michael Pantera, do CGE-SP, acredita que a precipitação vai se manter acima da média na cidade. “O verão começou mais frio e as chuvas demoraram, mas, quando vieram, foram fortes”, explica. Segundo o engenheiro Antônio Giansante, especialista em recursos hídricos que participou do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), a alta das chuvas neste verão era esperada.

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“Não dá para dizer que fomos pegos de surpresa”, ele diz. Para o especialista, além de obras como os piscinões, é preciso cuidar melhor do dia a dia da cidade. “O orçamento para isso precisa ser permanente”, ele aponta. Como a capital é extensa, as chuvas atingem de maneira diferente cada região.

Em janeiro, por exemplo, o Butantã, na Zona Oeste, recebeu precipitações 59% acima da média (ou 397 milímetros de chuva, o que significa que, em uma área de 1 metro quadrado, caiu em média 397 litros de água), muito acima do verificado no restante da cidade.

“De ‘terra da garoa’, São Paulo virou a terra da tempestade. Ao mesmo tempo, nossa permeabilização foi para o espaço (dos 1 600 quilômetros quadrados de território da capital, 1 000 são ocupados). Agora, cada chuvinha vira um problemão”, afirma Luiz Célio Bottura, especialista em infraestrutura territorial.

Os raios e ventos também foram impiedosos neste verão, o que provocou uma alta de 35% na quantidade de ocorrências atendidas pela concessionária de energia Enel. É o tipo de problema que eventualmente deixa os semáforos da cidade apagados. Uma das principais críticas dos especialistas em mobilidade é que o parque semafórico de São Paulo é desatualizado.

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Poucos têm sistema de nobreaks, que permitem o funcionamento por até duas horas após quedas de energia. Somente 29,8% dos cruzamentos com semáforo (ou 1 794 de um total de 6 662) têm o dispositivo. “A última atualização da tecnologia foi feita em 1980”, critica Bottura.

A CET afirma que a chuva não é a maior vilã das panes, e sim as ações de vandalismo e o furto de equipamentos e cabos. “Esse atos deixam os semáforos suscetíveis às intempéries, pois prejudicam o isolamento dos circuitos ou a efetividade dos equipamentos de nobreak”, explica.

A empresa afirma que esse crime disparou após 2019, atingindo seu ápice em 2021, com 5 237 casos. Nada indica que vá parar tão cedo, já que em janeiro houve aumento de 54% nos registros.

Outro problemão são as árvores caídas, que acabam por afetar serviços essenciais. Foi o que aconteceu na Rua Pedro de Toledo, na Vila Mariana, no último dia 7, quando uma árvore de grande porte destruiu dois postes, atingiu sete carros e obrigou o Hospital do Servidor a operar com geradores por seis horas.

Em dezembro, outra árvore tombou na Rua professor Carlos de Carvalho, no Itaim Bibi, interrompendo o fornecimento de energia elétrica por horas no bairro. Marco Antônio Castello Branco, presidente da Sociedade Amigos do Itaim Bibi, afirma que esse tipo de problema é recorrente naquele bairro, tanto que vários condomínios adquiriram geradores particulares (veja ao final da matéria).

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Imagem mostra homem grisalho de camisa polo azul e calça branca com os braços cruzados, ao lado de raiz de árvore que caiu.
Marco Antônio, no Itaim Bibi: falta poda nas árvores. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

“Entre o fim do ano e janeiro foram quatro transformadores em pane na rua”, ele conta. Apesar de a reportagem ter constatado que alguns equipamentos da rua são diferentes dos demais, a Enel diz que nos últimos três meses não trocou nenhum transformador por lá. Além disso, afirma que investiu mais de 1 bilhão de reais na área de concessão (a empresa opera em 24 cidades da Grande São Paulo) para “prevenir problemas com as chuvas neste verão”, segundo Darcio de Souza Dias, diretor de operações.

Entre os investimentos, ele cita mais de 400 000 podas de árvores em parceria com as prefeituras. “Algumas chuvas estão sendo mais severas e demandam não apenas um reparo simples, mas até a reconstrução da rede”, diz o executivo. Assim como os moradores do Itaim Bibi que instalaram geradores por conta própria, outros paulistanos arregaçam as mangas e fazem o que podem para sobreviver aos temporais de verão.

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Empresas de locais conhecidos por alagamentos, como a região da Avenida Mofarrej, na Vila Leopoldina, usam comportas de ferro para tentar conter o avanço das águas. É o caso do Ceasar Park, gerido por Silvano de Souza (foto abaixo). Além do reforço, eles usam duas grandes bombas para extrair a água que invade o prédio mesmo com as barreiras. Nem sempre é suficiente.

Imagem mostra homem de calça jeans e camisa polo agachado com as mãos em barreira de contenção de água.
Silvano: nem a contenção segurou as águas da Avenida Mofarrej. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Uma chuva intensa no verão de 2020 invadiu o estacionamento, danificou dez veículos e causou prejuízos de 2,5 milhões de reais. “Não teve jeito, a gente faz o que pode”, ele diz. Para o especialista em recursos hídricos Antônio Eduardo Giansante, um dos problemas é que — acredite — nenhuma autoridade sabe detalhadamente o que existe no subsolo da cidade. Isso ocorre porque há falhas nos registros de galerias, e não é possível saber ao certo a capacidade de escoamento das ruas e avenidas.

“Faziam-se as vias e as plantas simplesmente sumiam. As informações existentes não cobrem tudo. Como administrar algo que nem sequer se sabe a capacidade de vazão?”, questiona.

A Secretaria Municipal das Subprefeituras afirma que realizou uma série de ações preventivas em 2021 para evitar os efeitos das chuvas, como a poda ou remoção de 168 000 árvores e a limpeza de 362 423 metros de galerias, 421 986 metros de ramais, 104 709 bocas de lobo e 18 603 poços de visita. Fez, ainda, manutenção de 8,9 milhões de metros quadrados às margens de córregos e a reforma de 32 254 bocas de lobo e 2 996 poços de visita.

Em relação aos piscinões, que acumulam as águas das chuvas, a gestão municipal retirou 195 500 toneladas de detritos desses locais. Os números podem parecer grandes — mas, para quem mora ou trabalha perto do Córrego do Lajeado, da Radial Leste ou da Avenida Mofarrej, por exemplo, os problemas parecem maiores ainda.

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Salvação dos ilhados

Quando chuvas fortes atingem a Avenida Mofarrej, na Vila Leopoldina, um caminhão militar — item de colecionador — sai da garagem da Dimep (fabricante de controles de ponto) para ajudar quem fica ilhado na região.

“Até hoje, não houve enchente que ele não conseguisse atravessar. Eu mesmo já fui socorrido”, conta o diretor comercial da empresa, Rafael Tavano. Quem pilota o veículo é o mecânico Raimundo Ribeiro, o Corrupa. O funcionário sai à cata de pessoas pegas de surpresa pelos frequentes alagamentos da região.

Quando encontra, abre uma escada e todos sobem a bordo da carroceria, a mais de 1,8 metro de altura da rua. A última vez que enfrentou as águas foi no dia 20 de janeiro. “Fiz oito viagens levando o pessoal até os pontos de ônibus e a estação de trem”, ele relembra.

Imagem mostra caminhão militar verde estacionado em pátio.
Veículo dos resgates: item de colecionador. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Soluções privadas

Zelador do Edifício Villa Barberini, no Itaim Bibi, Ivaldo Trovão conta que os constantes problemas provocados pelas interrupções de energia no bairro durante as chuvas de verão levaram os moradores do prédio de alto padrão (só de IPTU são mais de 1 000 reais por mês) a comprar gerador próprio.

O equipamento é acionado para manter o funcionamento dos itens das áreas comuns, como elevadores, luzes de ambientes externos e portões de pedestres e do estacionamento. Um aparelho do tipo é anunciado por valores que podem ultrapassar os 200 000 reais.

Segundo Ivaldo, o investimento compensa. “Depois que os moradores compraram o gerador, três anos atrás, ninguém mais ficou preso nos elevadores”, ele conta.

Imagem mostra homem com as mãos sobre gerador branco, localizado entre canteiros verdes.
O zelador Ivaldo: prédio mais seguro. (Alexandre Battibugli/Veja SP)

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Publicado em VEJA São Paulo de 16 de fevereiro de 2022, edição nº 2776

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