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Jardins: área que concentrava agito foi tema da estreia da Vejinha

Mais famoso pelo apelido, o Jardim Paulista marcou a primeira edição da revista com a posição (inalterada) de point de sofisticação e bochicho

Por Mario Mendes
25 set 2020, 06h00
Rua Oscar Freire: o principal corredor de compras do quadrilátero mais caro da capital (Daniela Tovianski/Veja SP)
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Degustar uma pequena fatia de 1985 parece mais uma experiência radical entre tantas neste estranho ano de 2020. É essa a sensação que se tem ao reler a matéria de capa da primeira edição de VEJA SÃO PAULO, com visão e conhecimento de causa de quem viveu a época. “A magia dos Jardins: Como vive o bairro mais quente do Brasil” era a chamada de capa — com ilustração pincelada do artista plástico Ivald Granato (1949-2016) —, enquanto na legenda da foto que estampava a Carta do Editor — assinada pelo próprio fundador da empresa, Victor Civita (1907-1990) — lia-se: “No mais requintado paraíso do bem viver em São Paulo, os Jardins, pessoas ricas, famosas e elegantes consomem um vasto cardápio de moda, lazer e ousadias”. Na imagem, três garotas foram “clicadas” em frente a um endereço conhecido da época, o bar Rock Dreams, cuja fachada misturava grafite, vitrine e a parte lateral da carcaça de um automóvel. Ousadia estética na época, quando a arte de rua ainda era novidade por aqui.

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“A magia dos Jardins”, de 85: com ilustração pincelada do artista plástico Ivald Granato (1949-2016) (Veja SP/Veja SP)

Na sequência, mergulha-se nas muitas atrações do “quadrilátero dourado da cidade”, em radiografia feita pelo jornalista Augusto Nunes, muito tempo antes de sua atual encarnação de polêmico comentarista político. Por quadrilátero entenda-se os limites do território: Avenida Paulista e Rua Estados Unidos ladeadas pelas avenidas Nove de Julho e Rebouças. Telmo Martino, o colunista mais festejado e odiado da época, do falecido Jornal da Tarde, costumava dizer que “nada de muito importante acontece do lado errado da Rebouças”. Ah, não costumava-se considerar a popular Rua Augusta nessa geografia da sofisticação.

“Quem anda por aqui tem o perfil do poder: é rico, elegante, culto, belo e sofisticado”, somos informados pela galerista dos Jardins que era então a voz mais estridente e poderosa do circuito paulistano das artes. Declaração que, se feita hoje, seria inspiração para a criação de inúmeros memes e motivo de inevitável indignação e cancelamento. Porém, na época da geração yuppie — abreviação de young urban professional — havia até quem chamasse os Jardins de “Manhattan paulista”, a sério. A “suave vida nos Jardins”, o título da matéria, aparecia na reportagem coalhada de cifras, como se nos Jardins todo mundo, literalmente, nadasse em dinheiro. O metro quadrado para a compra de um apartamento era negociado a 4 milhões — o mesmo valor do salário do barman do bar Supremo, saudoso clássico boêmio da cidade. Na tradicional, e sempre cara, Casa Santa Luzia, 1 quilo de salmão fatiado saía por 400.000, enquanto a garrafa de vinho do Porto da Companhia Velha alcançava 1,45 milhão. E um ponto comercial na Rua Oscar Freire, “a mais badalada”, custava cerca de 200 milhões. Para efeito de conversão: a moeda vigente era o cruzeiro.

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Na capa número 1: o extinto Rock Dreams com uma carcaça de carro na fachada (Emidio Luis/Veja SP)

Ouvida pela reportagem, a então editora da revista Claudia Moda, Costanza Pascolato, via a região como a grande passarela da cidade e foi certeira: “Os Jardins representam hoje para os paulistanos o que Ipanema foi para os cariocas há alguns anos”. As dicas de estilo da matéria lembram nomes hoje esquecidos do imaginário fashion — como Marco e MarceloBeauty, T. Macchione, Mr. Wonderfule Márcia Pinheiro — e também os que ainda mantêm vitrines no bairro— Richards e Forum.

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No menu dos Jardins de 1985, havia os restaurantes Oscar — com decoração de imagens de filmes da era de ouro de Hollywood —, o Salad’s, o Manhattan, o francês L’Arnaque, a pizzaria Otello — que ficava aberta até mais tarde —, o Sanduíche e os sobreviventes Z Deli e Frevinho, além do impávido colosso, a churrascaria Rodeio, um clássico desde 1958. A noite era do Rose Bom Bom, onde o empresário Ângelo Leuzzi (1956-2020) fez história lançando bandas e DJs que estouraram. E, mais do que tudo, do Gallery, QG da high society e das celebridades— antes de serem famosas apenas por quinze minutos— que dançavam e se esbaldavam ao som da banda de Hector Costita. Porém, houve algumas ausências inexplicáveis na féerie noturna dos Jardins: o Plano’s Bar, na Oscar Freire, sóbrio, elegante e old school — mulheres não entravam desacompanhadas —, o Ritz, da Alameda Franca, e o VictoriaPub, na Lorena, ambos redutos de uma turma jovem, alternativa e diversa.

Finalmente, os personagens emblemáticos do pedaço, como o Carioca — proprietário da banca de jornais na esquina da Oscar Freire com a Bela Cintra —, a modelo e escritora Bruna Lombardi, a fotógrafa Vania Toledo (1945-2020), o estilista baiano Ney Galvão (1952-1991) —sucesso popular quando substituiu o encrenqueiro Clodovil nas manhãs globais do TV Mulher — e o empresário, perfumista e artista plástico, Aparício Basílio da Silva (1936-1992), estabelecido no bairro desde 1956, com sua butique de perfumes Rastro, na Rua Augusta.

“Os Jardins são o núcleo mais charmoso, agradável, divertido e agitado da cidade de São Paulo” , resumia o presidente da Paulistur na época, um jovem de 27 anos chamado João Dória Junior, morador da Alameda Jaú, dizendo não querer mais sair dali, mas migrou para o Jardim Europa. O quadrilátero dos Jardins em 1985, visto de 2020, revelou-se nostálgico, curioso, irônico e muito divertido.

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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706. 

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