A exigência do uso de uniforme e crachá por babá causa polêmica
Uso obrigatório de roupas brancas por funcionárias de sócios em clubes vira caso do Ministério Público
Nas rodinhas de frequentadores do Esporte Clube Pinheiros não se fala em outra coisa desde a segunda (15): o inquérito instaurado pela Promotoriade Direitos Humanos do Ministério Público, de acordo com o qual a exigência do uso de uniforme pelas babás que acompanham associados configura “discriminação social”. No clube, cada família pode cadastrar até duas funcionárias, ao custo de 350 reais cada uma. Além do pagamento da taxa, elas só podem entrar no local se estiverem trajadas de branco.“É evidente que a prática fere os princípios constitucionais”, escreveu a promotora Beatriz Helena Budin Fonseca, citando o artigo 5º da Constituição: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
A investigação começou após a queixa da advogada Roberta di Ricco Loria, sócia desde 2013. Por um ano, a empregada dela frequentou o Pinheiros com roupas comuns, acompanhando sozinha a filha de 2 anos da advogada. “Como ela é loira, jovem e bonita, acho que os seguranças a viam como mãe da minha menina”,diz Roberta. Em outubro do ano passado, porém, quando passou a ir ao lugar junto com a babá, os funcionários do clube fizeram a advertência sobre a questão do uso do uniforme. Indignada, a sócia registrou o caso à época, que acabou agora virando processo pelas mãos do MP.
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Na quarta (17), a promotora Beatriz Fonseca expediu ofícios a outras seis entidades tradicionais da cidade, com o objetivo de que informem as normas adotadas (veja o quadro na pág. 42). No Pinheiros,a regra existe desde que a associação foicriada, em 1899. “Não se trata de segregação, mas de inclusão: permitimos a esses não associados frequentar nosso lugar de lazer, basta que sigam o estatuto”, sustenta Mário Gasparini, um dos diretores. Para ele, como acontece em outros locais que adotam a mesma conduta, trata-se de uma preocupação com a segurança ao destacar quem está lá a trabalho. “Quem não aceita a determinação que não compre um título aqui”, completa. Com 20 000 inscritos e 170 000 metros quadrados, o Pinheiros é um dos maiores celeiros de atletas da cidade. Tornar-se membro custa até 80 640 reais por família.
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A funcionária da autora da denúncia acha tudo um exagero: conta que usaria o uniforme sem problemas. Tímida diante da polêmica, pediu que seu nome não fosse divulgado. “Ela é bem discreta, e acredito que essa postura seja resultado de uma espécie de vício social”, analisa a patroa. “Ela se sente mais confortável, por exemplo, em usar sempre o elevador de serviço.” É uma impressão diferente da que tem Karina dos Santos, outra babá que frequenta o Pinheiros. “Acho essa regra absurda.” Ela relata ter ficado de sutiã na portaria no início deste ano. Ha via sido barrada devido ao uso de uma blusa amarela, o único item que destoava do conjunto branco. A patroa foi até lá às pressas afim de lhe entregar a peça permitida e ajudou a fazer uma “cabaninha” para a troca. “Não liberaram minha entrada nem para irao banheiro. Passei vergonha.” A colega Rosilene da Silva também critica a imposição. Ela gosta do lugar (“nunca me trataram mal”), mas não da determinação. “Trabalhar com criança significa sentar na areia, no jardim, lidar com alimentos… Em poucas horas, estamos da cor marrom.” O sindicato da categoria não vê consenso entre as profissionais. “Muitas pedem para usar uniforme, assim poupam as próprias roupas”, af irma Fabíola Ferrari , representante da entidade.
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Entre os sócios do clube da Zona Oeste,as opiniões, é claro, também são v ariadas.“Acho segregação e me preocupo com a segurança. Crianças com profissionais trajadasassim podem sinalizar uma família milionária e, portanto, ‘sequestrável’”, diz a advogada Mariana Queiroz. “Não vejo como um bicho de sete cabeças”, rebate outro sócio, Martim Alves de Lima, graduado em relações internacionais, de 34 anos. “Espero que a medida de perverso teor igualitário que paira sobre os cariocas não migre para Sampa tão cedo”, completa. Ele se refere à lei sancionada pelo então governador do Rio Sérgio Cabral, em janeiro de 2014, que proíbe a obrigatoriedade do uniforme, um ano depois de a atriz Fernanda Torres processar um tradicional clube da Lagoa por exigir o vestuário-padrão da mulher que trabalha com seus filhos.
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Quanto às outras entidades citadas pela investigação, a Sociedade Harmonia de Tênis exige o uso de uniforme, mas não estabelece a cor . No Club Athletico Paulistano é preciso estar de branco, e as determinações vão além: empregados não podem formar rodinhas nos vestiários,“evitando-se com isso incomodar os sócios com conversas em grupo”. O Paineiras do Morumby continua exigindo crachá de empregados, mas abandonou na prática, há dois anos, a regra do branco, presente no estatuto. “Achamos melhor que cada família decida como quer fazer”, diz o diretor Luiz Antônio Dias Martins de Oliveira. A maioria das cuidadoras das crianças, porém, ainda circula por ali em trajes alvíssimos.
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