Ser pai de meninas não é a mesma coisa que ser pai de meninos. Há um trabalho extra de atenção, de ficar ligado, e algumas dificuldades.
Quando estão muito pequenas, se um pai sai com elas sem a mãe, podem surgir problemas práticos, dos quais o mais dramático é o banheiro. Três alternativas se frustram nesse momento: o pai não pode entrar no toalete feminino, não convém que elas entrem lá sozinhas e no dos homens elas não podem entrar.
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O recurso ante o impasse é pedir a uma bondosa senhora que acompanhe as meninas e supervisione tudo o que se faz em um toalete, supervisão que nem sempre é agradável, seja para a senhora, seja para as meninas. Pior se forem tímidas.
Já para as mães que saem com os pequeninos, banheiro não é problema: entram com eles no feminino, as mulheres não ligam.
Quando elas estão maiorzinhas, para cima de 8 anos, os pais recebem a missão de pôr um olho nelas durante as festinhas. Não que vá acontecer alguma coisa, mas as mães recomendam e cobram. Crianças somem, sabe-se lá o que estão fazendo, afligem-se as mães. Se não há perigos, não haverá danos maiores, mas mãe é mãe.
Então, para um pai de meninas, festinha de criança não é só beber cerveja com o cunhado e disputar a cotoveladas a bandeja de brigadeiros. É preciso ficar atento, ter uma resposta quando a mãe perguntar: cadê a Fulaninha? Se é menino, ela relaxa. Mãe é mãe.
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Quando crescem mais um pouquinho, 11, 12 anos, as mães, sabe-se lá se por ciúme, começam a grilar os pais com a atenção que eles dão às meninas, acham excessiva. Na reunião de pais da escola, ouviram dizer que a “figura paterna” tem de ficar atenta a essa “sedução inconsciente”. A preocupação é que as meninas não transferiram para os meninos o encanto que sentem pelo pai maravilhoso, até então único representante do sexo masculino na vida afetiva delas. Complicado, não?
Depois vem o ciúme dele. As meninas afinal se libertaram do pai sedutor e caíram nos braços talvez daqueles mesmos meninos que a mãe mandou vigiar nas festinhas. Agora ela acha que pode. Mãe é mãe. Agora é que ele acha que não pode, ainda são novas demais. Pai é pai. Ele acaba se acostumando e passa a conviver com a possibilidade de ser avô um dia.
O trabalho a mais de ser pai de moças não termina aí, porque chega a hora da inserção delas no mercado profissional. Mulher ganha menos do que homem, tem menos oportunidades, sofre mais assédio. É então que o pai sente mais forte a condição injusta, passa a apoiar ações das mulheres para mudar isso. É, dá trabalho.
Coisas mais divertidas ocorrem nesse percurso. Como aconteceu no cinema, com um senhor de meia-idade e suas filhas. Duas lindas moças, sedutoras, perfumadas. Elas sentaram-se nas duas únicas poltronas vagas, na penúltima fila, luzes já apagadas, trailer rolando. O senhor sentou-se na última fila, logo atrás delas.
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Na apresentação do filme principal, ele se inclinou até elas e ofereceu-lhes balas de uma caixinha. Elas não aceitaram, agradeceram sem se virar. Ele, antes de voltar à sua posição, comentou:
— Huum, que cheirinho bom o de vocês.
Chupou uma bala, o filme começou, e passado um tempo inclinou-se de novo para oferecer bala às moças. Elas recusaram, e ele:
— Aceitem. Está uma delícia.
Não quiseram, ele se recostou no seu lugar. O rapaz que estava ao lado delas disse alguma coisa, uma respondeu, depois elas cochicharam entre si e caíram na risada. Várias vezes deram risadas abafadas. Riram ainda mais quando de novo o senhor ofereceu-lhes uma bala. Foi a última vez, ele achou que era falta de modos. Terminado o filme, luzes acesas, levantados, o senhor cobrou a razão de tanto riso. Elas esperaram o rapaz se afastar e, de novo rindo, contaram:
— Pai, quando você ofereceu bala pela segunda vez, esse rapaz, todo herói, disse que se “esse senhor” estivesse nos incomodando ele ia fazer você ficar quietinho no seu lugar.
Não faltam heróis no mundo feminino.
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