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“A PM quer garantir a impunidade dos envolvidos”, diz advogado sobre massacre de Paraisópolis

Destaque na defesa das crianças e adolescentes, Ariel de Castro Alves acredita que o julgamento do caso pode ter o mesmo desfecho que o do Carandiru

Por Clayton Freitas
16 dez 2022, 06h00
Ariel de Castro Alves é um senhor branco, magro, sem barba e de cabelos escuros. Está em pé no Centro de SP e posa sério para foto. Usa um terno preto
No Centro de SP: parte da transição no governo federal (Rovena Rosa/Agência Brasil/Divulgação)
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Conhecido pelas causas ligadas a crianças e adolescentes vulneráveis, o advogado paulista Ariel de Castro Alves, 45, faz parte da equipe de transição do futuro governo Lula (PT), na qual ajuda a elaborar novas políticas para esses grupos. Nascido em Presidente Prudente, ele cresceu em São Bernardo do Campo, onde o pai, o professor Luiz Roberto Alves, se dedicou à educação de crianças em situação de rua. Na entrevista a seguir, Ariel fala sobre o julgamento do massacre de Paraisópolis, as ameaças sofridas na carreira e a escolha de um ex-capitão linha-dura para a segurança pública em São Paulo.

Qual a grande lição que você aprendeu com seu pai, que educava crianças em situação de rua?

Desde os 11 ou 12 anos, eu via o trabalho dele e conversava com as crianças. Eu me questionava sobre como elas podiam estar naquela situação. Aprendi que, diante das injustiças, não podemos perder a capacidade de nos indignar. Isso deve nos mover.

Sendo presença constante em diversos eventos e pautas públicas, sobra tempo para a advocacia? Em quais causas tem atuado?

Não tenho fortuna e não sou herdeiro (risos). Tenho um escritório na Praça da Sé. Como costumo dar entrevistas, acabo por atrair clientes. Atuo para sindicatos, entidades, casos de família, sociedade civil… Alguns dos clientes são as Aldeias Infantis SOS Brasil e o Sindicato dos Servidores Federais em Saúde e Previdência Social. Também trabalho em casos de repercussão, como na defesa do Lucas (Penteado, ex-BBB denunciado por agressão pela ex-namorada).

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Já recebeu ameaças pela atuação em causas ligadas à segurança pública?

Já recebi várias ameaças e fiz alguns boletins de ocorrência, mas nunca aconteceu nada de fato. Estar sempre na imprensa acaba por ser uma forma de proteção. Se eu não tiver mais espaços midiáticos, creio que as retaliações possam aparecer. Certa vez, um delegado me falou que seria melhor eu arranjar um porte de arma e começar a andar armado. Respondi que quem tinha de garantir minha segurança era a polícia, não eu.

Existem mais de 120 000 crianças e adolescentes trabalhando nas ruas na capital paulista. Isso tem solução?

Muita gente pensa que é melhor aquela criança estar trabalhando do que roubando. Se esquecem de que o trabalho infantil alimenta a exploração sexual, o aliciamento para o tráfico e outros problemas. A solução passa pela geração de renda, mas não como está sendo feito com o Auxílio (Brasil), sem nenhuma fiscalização. É preciso garantir a escola em tempo integral, a carteira de vacinação atualizada, as bolsas de estudos — principalmente para os adolescentes — e o fortalecimento das redes de proteção.

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São também 3 800 crianças e adolescentes vivendo na rua na cidade de São Paulo. Qual a maneira correta de a sociedade ajudar?

A sociedade pode colaborar por meio das organizações sociais, ajudando a estruturar melhor essas redes (de assistência e proteção). Além disso, deve denunciar casos de trabalho infantil nas ruas, já que muitas crianças sofrem risco até de ser atropeladas. Seja um advogado, um psicólogo, um dentista ou um jornalista, sempre existem formas de ajudar profissionalmente, também, doando um pouco do seu tempo.

No massacre do Carandiru, trinta anos se passaram e nenhum PM envolvido foi condenado. A tragédia de Paraisópolis (que deixou nove jovens mortos após um baile funk em 2019) irá pelo mesmo caminho?

O cenário, infelizmente, é favorável a isso (à não condenação dos PMs). Eles (os acusados) defendem a tese de que não houve intenção (de gerar tumulto) e que só dispararam para cumprir uma função. Essa argumentação pode pesar na avaliação dos membros do júri. Certamente a Polícia Militar fará de tudo para garantir a impunidade de seus membros, já que o próprio relatório da Corregedoria aponta para isso.

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A escolha do Capitão Derrite, um bolsonarista linha-dura, para a secretaria de Segurança Pública de Tarcísio de Freitas (Republicanos) terá quais impactos?

Isso tem gerado insatisfação na Polícia Civil e compromete o trabalho integrado das polícias. Derrite sempre defendeu o poder de investigação da Polícia Militar (um atributo da Polícia Civil). É uma tese que contrapõe as previsões legais e constitucionais. Também pode gerar retrocessos nos indicadores de segurança pública, que tiveram avanços nos últimos vinte anos, sobretudo na questão dos homicídios. Ele já disse que policial bom precisa ter pelo menos três mortes no currículo. Ter alguém no comando que defende a violência policial é preocupante.

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Quais os principais diagnósticos da equipe de transição federal na área das crianças e adolescentes?

Há 18 milhões de crianças e adolescentes passando fome no país. A cobertura vacinal, que era de 90%, está em 60%. O negacionismo e as fake news permitiram a volta de doenças como a paralisia infantil. Temos vinte crianças e adolescentes assassinados todos os dias no Brasil, a maioria negros. O Disque 100 (para denunciar violação de direitos humanos) recebe 73 denúncias por hora sobre crianças e adolescentes. Por dia, são mais de 100 acusações de abuso e violência sexual. O orçamento da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente representava 33% da verba para os direitos humanos em 2018, agora é de 7%. Dos 113 milhões de reais do Fundo Nacional para Criança e Adolescente, menos de 10% foram liberados, o resto foi contingenciado.

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Quais as mudanças que o governo Lula planeja fazer na área?

Queremos fortalecer o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). É importante retomar programas abandonados, como o da erradicação do trabalho infantil e o Escola que Protege (que capacita professores para prevenir a violência contra os jovens). Além disso, é fundamental reestruturar o Disque 100, para que as denúncias cheguem de fato aos órgãos de apuração e possamos saber se a criança está sendo mesmo protegida. Também planejamos a criação de centros integrados para atender as crianças e os adolescentes vítimas de violência, onde receberiam todos os atendimentos necessários. Há, ainda, a reestruturação dos conselhos tutelares, com o plano de fornecer veículos e computadores.

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Publicado em VEJA São Paulo de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820

 

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