A gestão de Julio Neves, presidente do Masp, chega ao fim
Após catorze anos na presidência do Masp, o arquiteto Julio Neves é sucedido por seu secretário-geral. O que muda? Na prática, nada
Como ocorre a cada dois anos no fim de outubro, os 71 sócios vitalícios do Museu de Arte de São Paulo (Masp) foram convocados para uma assembléia geral na qual deviam escolher seu novo presidente-. A reunião ocorreu na última segunda-feira. Ao contrário das seis eleições anteriores, que não passaram de mera formalidade, desta vez havia a expectativa de mudança. Após catorze anos à frente do Masp, o arquiteto Julio Neves, autor de projetos como o da Daslu e o do edifício espelhado anexo à Casa das Rosas, estava com a imagem tão desgastada que todos davam como certa sua saída. Em 2006, o museu teve a luz cortada por falta de pagamento. Dois de seus quadros foram roubados no ano seguinte – e felizmente recuperados pela polícia pouco tempo depois. No início deste ano, o Ministério Público pediu o afastamento de toda a diretoria e acusou o presidente de ser o responsável pela dívida de 20,7 milhões de reais da instituição. Neves não se candidatou, mas convenceu seu amigo, o advogado João da Cruz Vicente de Azevedo, de 83 anos, a concorrer. Como não houve chapa de oposição, ele foi eleito com os votos de todos os 41 conselheiros presentes. “Um conhecido me ligou e, em vez de dar os parabéns, disse que eu deveria ter mais juízo”, conta Azevedo.
A renovação que muitos esperavam ficou sabe-se lá para quando. “O perfil da diretoria continua o mesmo”, afirma o embaixador Rubens Barbosa, que deixou o conselho do Masp há dois anos por causa de desentendimentos com Neves. “Não são mais aceitáveis políticas personalistas e pouco transparentes, sem cobrança da sociedade.” Um grupo de empresários da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) esperava a escolha do novo presidente para retomar negociações sobre a dívida do museu. Eles já haviam se disposto a ajudar a pagar os débitos, mas queriam participar do conselho e o acordo não avançou. “Quem vai investir numa instituição cujas contas são uma caixa-preta?”, questiona um empresário que pediu para não ser identificado. O governo do estado e a prefeitura também mostram interesse em nomear um representante para o seleto clube dos sócios. Estão à espera de uma resposta. A prefeitura tem uma carta poderosa na mão para negociar: é dona do prédio da Avenida Paulista projetado por Lina Bo Bardi.
Há doze anos no Masp, João Azevedo, que é proprietário de uma administradora de imóveis, ocupava o cargo de secretário-geral na última gestão. “Trocaram seis por meia dúzia”, afirma a historiadora Stella Mendes, ex-funcionária da biblioteca. Ela conta que mesmo idéias simples como montar uma peça no auditório ou abrir a biblioteca para crianças eram rechaçadas. “A diretoria nunca pensou o museu como um centro de cultura mais amplo, mas apenas como espaço de exposição”, diz. Neto do barão de Bocaina, que foi diretor do Banco Comercial de São Paulo no início do século XX, o novo presidente tomou gosto por quadros clássicos e continuou uma coleção que herdou de seus avós. Não freqüenta galerias nem é fã de arte contemporânea. “Sou do tempo em que o leiloeiro subia num banquinho para ver quem dava o lance.”
Mas nem tudo são más notícias nos corredores do Masp. O público, que minguou para 215 000 pessoas em 2003, atingiu 624 000 visitantes no ano passado. Um dos responsáveis pelo crescimento é o curador José Roberto Teixeira Coelho, que organizou o acervo de 7 700 obras – avaliado em 1 bilhão de dólares e considerado o mais importante da América Latina – em mostras temáticas. A exposição Olhar e Ser Visto, aberta há um mês, por exemplo, reúne 95 retratos e auto-retratos de artistas como Van Gogh, Rembrandt, Picasso, Cézanne e Goya. Depois dos roubos, o sistema de segurança foi renovado. Agora, 96 câmeras com zoom de 440 vezes e visão noturna são programadas para detectar qualquer movimento nas obras. Se não há perspectiva de uma administração mais moderna e transparente, que ao menos o patrimônio fique bem guardado.
Cartão-postal em crise
Orçamento: 8 milhões de reais por ano
Dívida: 6 milhões de reais, segundo o Masp. Mais de 20 milhões, de acordo com o Ministério Público
Visitantes: 624 000 em 2007
Ingressos: 15 reais. Grátis às terças
Acervo: 7 700 peças avaliadas em 1 bilhão de dólares
Segurança: 96 câmeras e sessenta guardas (dez armados)