Carnaval no Clubhouse: app tem convites por até R$ 600 e papo com famosos
Fechada para convidados que têm iPhone, nova rede social de áudios tem salas para discutir de tudo
Sucesso do momento (já há quem passe até doze horas por lá), o Clubhouse reúne anônimos e famosos na nova rede social. Disponível apenas para o sistema iOS, o do iPhone, o cadastro de usuários só é feito por convite. Depois, basta entrar em uma das salas de conversa por áudio — de papo cabeça a trotes, de religião a empreendedorismo.
Em sites de compra e venda, convites para ingressar no app são anunciados por até 600 reais. No Mercado Livre, um dos vendedores com localização em São Paulo chegou a pedir que a reportagem concluísse a compra em troca de entrevista. “É incrível que tenham coragem de pagar pelos convites. A sensação de ficar de fora de um grupo dói e essa característica exclusivista é o estopim do app”, alfineta Rejane Toigo, especialista em marketing digital.
“Fui uma das primeiras pessoas a entrar aqui no Brasil”, gaba-se o escritor André Carvalhal, um dos autoproclamados “pioneiros” do app. “Vi de tudo: como narrar desfile de Carnaval, matar pernilongos e ser um bom moderador no aplicativo.” Todas as manhãs, Carvalhal comanda uma sala feita para receber dicas aleatórias. “De banho gelado a raspador de língua (usado para reduzir bactérias e mau hálito).” Sem o Carnaval presencial, surgiram também as salas feitas para paquerar. “Todas seguem uma lógica de jogo, como numa roda: cada pessoa escolhe entre os participantes um para casar, um para transar e um para eliminar”, explica. “É uma vitrine para os interessados em pegação, que vão conversar no Instagram.”
Thiago Nigro, o Primo Rico, jura ter sido um dos primeiros “visionários” a descobrir o Clubhouse no país. “Tive conversas de bastidores com Flávio Augusto, que identificou a febre quando isso nem tinha começado no Brasil, e já tenho 220 000 seguidores”, vangloria-se. “Nós fomos os primeiros a divulgar isso, fiz uma campanha nos stories e depois disso que o Clubhouse cresceu aqui.” Nas salas de investimentos e negócios, o guru das finanças já passou por saias-justas. “Alguns aproveitam para fazer merchan no meio da conversa e teve um que falou ‘acho o que vocês estão falando muito básico’. Ah, sério? E o que você faz? Aí ele explicou que não trabalha”, diverte-se.
Após uma semana no aplicativo, o apresentador Otaviano Costa já tenta dosar seu tempo de uso. “O Clubhouse é muito sedutor, fico ali aprendendo e ouvindo novidades do universo do marketing e comunicação ou parto para as bobagens nonsense. Por gafes não passei… Por enquanto!”, diz. Com a esposa, Flávia Alessandra, chegou a participar de uma sala com parte do elenco da novela Salve-se Quem Puder. “Juntamos Tatá Werneck, Rafael Infante e a turma toda para passar trote em pessoas anônimas por telefone, foi uma baita de uma farra.” Tatá, aliás, está superativa na rede social, onde brinca já na bio: “Modelo de rosto e puta”. Entre trotes e piadas, a humorista chegou a entrar em grupos estrangeiros e fingir que fala os idiomas.
– Além de política e notícias da semana, a roteirista Rosana Hermann conduz monólogos sobre ruas e bairros de São Paulo. “Já saí andando por Higienópolis e Pacaembu enquanto conto a história da região, voltando no tempo”, resume. Os muitos grupos de marketing e promessas para o sucesso que pipocaram pelo app, por outro lado, não chamam a sua atenção. “Tenho evitado as salas de pessoas que se acham donas da verdade”, crava. “Tem gente tentando tirar vantagem, pois já ouvi ‘que legal você me deixar falar, tem sala que só liberam depois de seguirmos o administrador nas redes’.”
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O que é Clubhouse?
“É um acumulado de coisas que deram errado em outras redes sociais. Pra entrar tem de ser convidado (novo Orkut), só funciona no iPhone (antigo Instagram) e tem só áudio (grupo chato do WhatsApp).”
– João Alberto, no Twitter
Grandes marcas como Audi e Nestlé já apostaram no app. A montadora de carros criou o grupo A Era dos Carros Elétricos e a Nescau promoveu a Nescau Sports Talks, com participação da paratleta Verônica Hipólito e da ginasta Flavia Saraiva, embaixadoras da marca.
Faladora e extrovertida, a atriz Flavia Garrafa começou no app com o pé esquerdo. “Entrei em uma sala feita para ficar em silêncio e era um tal de ‘shh!’ toda hora”, diverte-se. “Falei sem querer e me senti levando uma bronca da professora na quinta série. Aproveitei e cliquei no ‘sair de fininho’.”
Prosperando com a Ajuda de Deus é a sala com cara de culto evangélico e repleta de depoimentos fervorosos, como nos templos, comandada pelo empresário Carlos Wizard Martins, bilionário e ex-dono da rede de idiomas (que quase se tornou ministro da Saúde e chegou a sugerir uma recontagem do número de casos da Covid-19 no Brasil). “Roubaram dinheiro da empresa e eu orei para que Deus tirasse o sono daquela pessoa. No dia seguinte, recebi flores com o valor roubado e um bilhete em que a pessoa dizia que tinha perdido o sono”, contou uma das participantes da sala que se tornará semanal, sempre às segundas.
Mabê Bonafé descobriu no Clubhouse um espaço para se distrair dos problemas. “Como apresento o Modus Operandi, um podcast sobre crimes reais, eu pesquiso muita coisa pesada, nem o Big Brother Brasil ajudou a me alienar deste ano, que está bad vibes total”, desabafa. “Acabei usando essas salas de humor para desanuviar, como as de karaokê. E interagi com famosos como Marcelo Adnet e Tico Santa Cruz. Nos primeiros dias passei quatro horas diárias no app, gosto de lavar louça e deixar rolando.”
O músico Tico Santa Cruz, vocalista do Detonautas, chegou a passar doze horas por dia na rede social. “Fiz uma imersão e me desconectei totalmente das notícias. Pude conversar com gente que até então só tinha esbarrado pessoalmente, entrei em um grupo de rock com Di Ferrero, Pitty…”, conta. A nova rede, segundo ele, é uma chance para apagar sua imagem e fama de briguento. “Em uma sala sobre marketing, fiz perguntas para o padre Fábio de Melo, e a conversa virou uma discussão filosófica existencial de duas horas.”
“Recentemente foi reportada uma falha de segurança da rede social dizendo que seus usuários estavam expostos, pois havia um jeito de baixar o conteúdo compartilhado e as mensagens passavam por servidores chineses”, acusa Arthur Igreja, especialista em tecnologia. A rede afirmou que está revisando suas práticas de proteção de dados. “É um caminho natural para um aplicativo novo, ainda virão novas falhas.”
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“Pela primeira vez o que vale é conteúdo, não tem filtro ou Photoshop e cada um fala o que pensa, não tem tempo de equipe preparar”, opina a empresária e apresentadora do Shark Tank Brasil, Cris Arcangeli, que conta com três grupos fixos voltados ao universo dos negócios e empreendedorismo feminino. E qual é mais divertido: Clubhouse ou Shark Tank? “O app é divertido porque é ao vivo”, desvia. “Se você assistisse o reality sendo gravado seria outra coisa, muita coisa é cortada. Clubhouse é ao vivo e a cores.”
“Estou bastante ativo lá e passivo também, porque fico escutando muito”, brinca Marc Tawil, estrategista de comunicação e embaixador do Shark Tank Brasil. “Pra muita gente vejo que o Clubhouse tem sido um companheiro na quarentena, acaba sendo um podcast ao vivo, e as pessoas falam sem a sensação de ter alguém olhando.” E essa pode ser a derrocada do Instagram? “Acho que não, por causa de Mark Zuckerberg, que já tem planos para algo parecido. Para ele não tem concorrência, ele vai e cria igual.”
Empresários e coaches brasileiros são os usuários mais frequentes da rede, entre eles a curadora do TEDx São Paulo, Elena Crescia, que tem moderado várias salas. “Não sigo pessoas por números, mas estou atenta a novas ideias, e agora o Clubhouse faz parte do meu trabalho”, conta. “Nas salas que estou moderando, não dou muita trela para esse tipo de conteúdo (de coaches), algo que também acontece na vida real: não sou de frequentar os lugares que eles frequentam e sempre me surpreendo com perfis de 3 milhões de seguidores no Instagram dos quais nunca tinha ouvido falar.”
O jornalista Joca Andrade encontrou campo fértil para sua segunda profissão: numerólogo. “Comentei que entendo de numerologia, pediram uma sala e a primeira já deu mais de 100 pessoas (o limite são 5 000).” Com o sucesso, toda manhã, às 7 horas, Joca descreve qual será a energia do dia. “Os interessados fazem consulta comigo e quatro dias renderam quase o que ganho em um mês no meu emprego.” A novidade, segundo ele, também serve como prática jornalística. “É bom para treinar o poder de síntese. Tinha um cara que queria dar palestrinha e precisei cortar. Ali virou a fodolândia, todo mundo é coach…”
“Uma sala sobre marketing virou uma discussão filosófica com o padre Fábio de Melo”
Tico Santa Cruz, vocalista dos Detonautas
Do podcast POC de Cultura, Filipe Bortolotto é um dos criadores do grupo “pra falar como se fosse um guru digital”, um contraste com os muitos autoproclamados gurus que têm apostado na rede. “A primeira sala durou dez horas e as pessoas não saíam do personagem. A brincadeira é satirizar essas pessoas que prometem te enriquecer com dicas e cursos. A gente conta casos como ‘na minha última viagem a Bali passei por um guru que tinha um QR code tatuado nas costas para quem quisesse baixar seu curso em PDF.”
Para a advogada Monika Hosaki, o app tem sido uma maneira de retomar contatos profissionais. “Esse networking acontece quando as pessoas não ficam se apresentando, ostentando títulos”, observa. Com a overdose de salas sobre marketing e empreendedorismo (onde a presença de supostos gurus e coaches costuma ser maior), Monika criou a Enjoei de Clubhouse. “Surgiu um hipnoterapeuta e sugeriram que ele tentasse um número com a gente. Ele fez um truque de colar as pálpebras e funcionou com vários do grupo!”
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Após debater o decreto de armas e as disputas eleitorais de 2022, o colunista Reinaldo Azevedo planeja salas semanais ao lado do jornalista Leandro Demori, editor executivo do The Intercept Brasil (aquele do Glenn Greenwald). “Decidimos fazer isso justamente por termos muitas ideias e pensamentos diferentes, que abrem espaço para enriquecer o debate.” No domingo de Carnaval, um dos grupos durou cerca de três horas e teve a participação das economistas Laura Carvalho e Monica Baumgarten de Bolle (mais convergentes que os dois jornalistas). “Nessa experiência curta não tive problemas com haters, mas acredito que a tendência do Clubhouse é de debates civilizados”, sonha.
“Fiquei até as 4h30 da manhã no Boa Noite com Rivotril e uma brasileira decidiu se abrir sobre o abuso sexual sofrido nos Estados Unidos, dentro do metrô em Nova York”, revela o empresário André Almada. “Tenho feito muitas conexões, recebo convites para falar e participei do grupo Gays Descascando, que teve até o Hugo Gloss e foi assunto na sala JN, que cita destaques do dia.”
– “Dá para usar para o bem e para mal”, acredita Rodrigo Murta, físico e CEO da Looqbox. “Estou trocando figurinha com pessoas da minha área e tem um cara que todo dia fala sobre neurociência e produtividade. Tenho tomado cuidado para não usar por muitas horas, porque minha namorada briga comigo”, admite, aos risos.
FESTA ESTRANHA
As salas mais inusitadas e bem-humoradas
– Sala para imitar pilotos e controle de tráfego aéreo
– Como ter um sugar daddy
– Sala para falar baleiês
– Sala pra falar sussurrando
– Sala para quem enjoou do Clubhouse
– Sala Clubhouse é legal, pena que não enxergo as letrinhas
– Sala pra gente falar como se fosse um guru digital
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Publicado em VEJA São Paulo de 24 de fevereiro de 2021, edição nº 2726
*Colaborou Fernanda Campos Almeida