Lição de Nashville: recuperação econômica pela música
No enfrentamento da pandemia, a cidade mostrou que entende a importância da economia criativa e todo mundo pegou a carteira (e o violão) para ajudar
Taylor Swift descobriu que para mostrar que era uma grande artista precisava estar em Nashville, como outras cantoras famosas fizeram. Com 14 anos, conseguiu fazer sua família se mudar para perto dali. Encontrou o ambiente favorável, fez parcerias e, aos 31 anos, é uma das mais bem-sucedidas artistas no mundo. “Todo músico tem o sonho de vir para cá”, diz Travis Collinsworth, sócio do The 5 Spot Club, uma das pequenas e movimentadas casas de show da cidade.
“Quem chega aqui tem duas reações: ou vê que tem muita gente talentosa e volta para casa, ou enxerga esses caras como uma oportunidade de fazer música junto deles.” São esses que ficam que há décadas constroem a cena musical borbulhante de Nashville — que bem poderia servir de inspiração a São Paulo. No enfrentamento da pandemia, a cidade mostrou que entende a importância da economia criativa e todo mundo pegou a carteira (e o violão) para ajudar.
A relação de Nashville com a música é lucrativa (só no ano passado, mais de 16 milhões de visitantes passaram por lá; 44% deles interessados em atrações e eventos) e antiga, com iniciativas datadas dos anos 1700. Na Grande Nashville, a música movimenta 5,5 bilhões de dólares (mais do que a cidade de São Paulo arrecada com ISS e IPTU por ano), segundo a Associação Americana de Gravadoras (RIAA). Com 690000 habitantes, tem a mesma população de Osasco.
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A primeira grande incursão de músicos da cidade foi em 1873, com um grupo de onze cantores do Fisk Jubilee Singers em uma turnê pela Europa com direito a apresentação para a rainha Vitória. A fama pegou e outros movimentos fincaram o pé por lá, começando pelo programa de rádio Grand Ole Opry, que estreou em 1925 e se tornou o maior divulgador da música country do país, com shows ao vivo que muitas vezes incluíam coreografias de quadrilhas do interior. Subir nesse palco significava que o sucesso tinha batido à porta. Bill Monroe apresentou seu bluegrass, Johny Cash conheceu June Carter nos bastidores, Elvis Presley, Dolly Parton, Willie Nelson e Garth Brooks foram alguns dos que passaram por lá.
O programa estava consolidado e a cidade chamou atenção dos interessados na música. Formou-se o distrito Music Row, com estúdios e gravadoras. Os honky-tonks, um estilo tradicional de bar com performances da música country ao vivo e muita cerveja, proliferaram. Muitos dos artistas do elenco do Opry abriram espaços do tipo, que hoje se concentram na turística Honky-Tonk Highway, na Broadway.
O rótulo “cidade da música” veio nessa época, nos anos 50, quando o DJ e apresentador da rádio local, David Cobb, que anunciava os programas da estação, incluindo o Opry, substituiu nas suas chamadas a palavra Nashville pelo bordão “Music City, USA”. O apelido ficou e as portas abertas foram convidativas para músicos de outras áreas, como Etta James, Jimi Hendrix e Little Richard. Jack White inaugurou seu estúdio, o Third Man Studios, em 2009. Kings of Leon se formou por lá e artistas — de Michael Bublé a Justin Timberlake — costumam passar temporadas no local para gravar seus trabalhos.
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Os compositores que migravam para lá fortaleceram o aparecimento das pequenas casas de shows, pouco menos turísticas, que abriam seus palcos. A regra costuma ser essa: apenas músicas autorais no microfone. Em 1993, a associação dos compositores de Nashville, na época com 4 000 artistas, criou o Tin Pan South Songwriters Festival, que foi anunciado como o maior do mundo, no ano passado. Esses profissionais e onde eles tocam se tornaram a essência de Nashville. “Dois escritores que se juntam dividem experiências, criam uma canção que vem do coração, que conecta”, explica Erika Nichols, COO do Bluebird Cafe, aberto há 38 anos. Foi lá que Taylor Swift fez, aos 15 anos, a apresentação que lhe renderia um contrato com a gravadora.
Além dos marcos históricos e da localização de Nashville, que facilita as turnês de carro, há outro fator que reforça essa característica musical, conforme indica Erika: os próprios cidadãos entenderam essa vocação. Isso foi demonstrado durante a pandemia, quando esses espaços menores precisaram fechar. “Não é o tipo de negócio que tem fluxo de caixa para ficar muito tempo sem funcionar e foi gratificante ver que a comunidade sabe da importância deles”, diz Erika.
Uma das ações veio do dono de uma concessionária que passou a vender camisetas a 30 dólares e destinar o valor aos artistas. “Ele estava empenhado em conseguir 1 milhão de dólares”, conta Erika. Para enfrentar a situação, quinze dessas casas, chamadas independentes, se uniram para encarar a prefeitura, já que ficariam impossibilitadas de abrir. “Mesmo se eu trabalhasse com metade da capacidade, não conseguiria manter o distanciamento ideal e evitar encontrões, porque isso faz parte do clima do espaço”, explica Collinsworth.
“O governo federal disponibilizou a verba de emergência para a prefeitura, e esta poderia usar como quisesse. Eles destinaram 2 milhões de dólares para as casas”, afirma. Por meio da Nashville Convention & Visitors Corporation, foi organizado o festival Music City Bandwidth, com shows transmitidos on-line direto dos espaços (sem público), com intensa publicidade para incentivar doações e viabilizar a manutenção de quinze importantes casas independentes. “Eles entenderam que somos a essência de Nashville. Não podemos ser agora, fechados, mas queremos voltar a ser”, afirma Collinsworth.
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Publicado em VEJA São Paulo de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719